A Balada do Velho Marinheiro
EM SETE PARTES
PARTE VI
PRIMEIRA VOZ
"Mas diz-me, diz-me! Narra mais, e continua
Teu doce replicar...
Por que veleja tão veloz esse navio?
Que está fazendo o mar?”
SEGUNDA VOZ
"A mar, imóvel como o escravo ante o senhor,
Sopro algum tumultua;
Seu grande olho brilhante imerso no silêncio
Volta ele para a Lua
Para o caminho descobrir, pois ela o guia
Em bonança e procela.
Eis ali, meu irmão! Quanta benevolência
Lhe transmite o olhar dela.”
PRIMEIRA VOZ
"Porém o que, sem vento ou vaga, a esse navio
Ir tão depressa faz?”
(O Marinheiro foi lançado num transe hipnótico; pois o poder angélico faz a embarcação rumar para o norte mais depressa do que a vida humana pode suportar.)
Quadro 26: Sem onda ou vento |
SEGUNDA VOZ
"Fendem-se à frente os ares para a sua passagem,
E fecham-se por trás.
Mas não nos retardemos! Cada vez mais alto,
Foge, irmão - como eu fujo!
Sempre mais devagar irá navio andar,
Despertado o Marujo."
(O movimento sobrenatural é retardado; o Marinheiro desperta, e sua penitência recomeça.)
Seguia o barco avante;
Plácida a noite, era alta a lua; e vi reunidos
Os mortos nesse instante.
Todos de pé lá no convés, que deveria
Ossário se chamar;
Todos em mim fixavam seu olhar de pedra,
Que brilhava ao luar.
Jamais havia passado a angústia de sua morte -
A dor, a maldição;
Meus olhos de seus olhos não podia tirar
E erguer em oração.
E eis que me é dado ver de novo o oceano verde...
Rompera-se a magia;
Perscrutei o horizonte, mas eu vi bem pouco
Do que ver se podia...
(A maldição é finalmente expiada.)
Era eu como quem vai, com medo e com temor,
Por deserto lugar,
E, tendo olhado à pressa para trás, prossegue
Sem nunca mais olhar
Porque bem sabe que um demônio assustador
Pisa em seu calcanhar.
Entanto, logo sopra um vento sobre mim,
Sem moção, sem barulho;
O seu caminho não passava pelo oceano,
Na sombra ou no marulho.
Agitou-me os cabelos, abanou-me a face,
Como a aura faz na primavera...
Mesmo a mesclar-se estranhamente aos meus temores,
De boas vindas era.
Veloz, veloz voava a nave - suavemente
Velejando, porém;
E branda, branda a brisa para mim soprava -
Para mim, mais ninguém.
Ó sonho jubiloso! É o topo do farol
O que avisto afinal?
Aquilo é promontório? Aquilo é mesmo a igreja?
É o meu país natal?
(E o velho Marinheiro contempla seu país natal.)
Cruzando a barra, entrávamos no porto; e, em pranto,
A Deus orei assim:
Senhor, desperta a mim agora, ou então dá-me...
Dá-me o sono sem fim!
A baía brilhava como um claro espelho,
Tão lisa a face sua!
E por sobre a baía o luar se distendia,
E o reflexo da Lua.
Quadro 27: A sombra da lua |
Cintilava o penhasco - e assim a igreja no alto,
Que é seu coroamento;
E o plenilúnio mergulhava na quietude
O imóvel catavento.
E toda aquela alvura à muda luz fulgura;
E da luz vêm por fim
Vultos variados, que eram sombras, ostentando
As cores do carmim.
(Os espíritos angélicos deixam os corpos dos mortos,)
Quadro 28: Em cores carmesins vieram |
As sombras de carmim se apressam rumo à proa,
E se postam ali;
Nesse instante voltei os olhos ao convés...
Cristo meu! O que vi!
Cada corpo, estirado... exânime e estirado;
E - pela santa cruz!
Por sobre cada corpo havia um Serafim,
Um homem todo luz.
(E aparecem em suas próprias formas de luz.)
Quadro 29: A visão celestial |
Com as mãos acenando, o seráfico bando
Era visão superna!
Sinaliza para a terra em seu fulgor,
Cada um, uma lanterna.
E o seráfico bando as mãos ia acenando
Em silêncio perfeito...
Em silêncio; mas ó! caía este silêncio
Qual música em meu peito.
Nisto, o bater de remos e o brado do Piloto
Fazem que me alvorote...
Fui forçado a lançar os olhos para o mar,
E vi surgir um bote.
Quadro 30: Um bote se aproxima |
O Piloto, a seguir - com o ajudante seu -
Ouvi se aproximar;
Era alegria - ó Deus do Céu! - que nem os mortos
Podiam arruinar.
E lá vi um terceiro: era o Ermitão piedoso!
Escutei sua voz,
A alta voz com que entoa os seus hinos de loa
Que nos bosques compôs.
Ela há de me absolver, ele há de me lavar
Do sangue do Albatroz.
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